quinta-feira, 22 de novembro de 2012


A circularidade dos conteúdos... 
            A escola é uma instância que se esgota em si mesma. Existe para satisfação das próprias necessidades e prepara o aluno para a próxima etapa dentro dela mesma.
Com raríssimas exceções, a quase totalidade do conteúdo curricular oferecido pela escola, mormente em Língua Portuguesa, não encontra aplicação na vida prática em mundo pós-escola. Do ensino fundamental ao médio, nossos alunos são bombardeados com uma “nomenclaturização” absurda, decorada com o único propósito de satisfazer a testes propostos pela própria escola e prontamente esquecida assim que o vestibular é superado. Passar de ano virou sinônimo de memorização de elementos inúteis os quais só servirão se o aluno tornar-se mais um torturador – vale dizer, um professor. Na vida prática, quer o aluno vire um carpinteiro, quer torne-se um doutor em medicina, ele jamais, em momento algum vai precisar reconhecer e anunciar que: “Essa frase é uma subordinada substantiva objetiva direta”. Nem vai levar esse tipo de conhecimento em conta nas vezes, bem poucas, em que tiver de escrever um texto. Como resume  Geraldi [1], o aluno é instado a escrever somente para ultrapassar os obstáculos construídos pela própria escola: “Aprende-se a escrever na escola para a própria escola”. Mesmo que esse aluno torne-se um brilhante escritor, sua fluência e brilho criativo não vão depender da classificação da frase que ele utilizou, mas da forma como aprendeu a ler e escrever e da paixão de seus tutores pela leitura. Para se ter uma idéia do que essa mencionada memorização significa, basta dizer que em determinado ponto gramatical há a necessidade de decorar vinte e sete terminologias[2] sobre coordenação e subordinação para fazer uma prova com razoável grau de sucesso.
O ensino oficial distribui um conhecimento de tal monta circular que enreda o aluno em uma cadeia de memorizações estéreis que o impede não só de efetivamente  compreender e refletir sobre discursos, mas também o distancia da vontade de produzi-los, de tornar-se um agente. Nesse contexto, o plano de aula ideal deve procurar apresentar aos alunos do Ensino Médio as situações textuais que pedem coordenação ou subordinação. Evita-se a memorização estéril. A tentativa está longe, é claro, de inserir-se na didática do letramento situado apresentado por Bunzen & Mendonça[3] por ser muito difícil propor uma pratica social onde a exigência desse tipo de adequação sintática emirja naturalmente. Entretanto, o simples fato de apresentar o ponto gramatical em sua instância de uso pode facilitar ou até mesmo aguçar o interesse dos alunos.
A pessoa que possuir interesse em escrever, quer seja por razões individuais, quer  profissionais, vai enveredar por um caminho que exigirá muito esforço e criatividade. Aprender a escrever não é uma etapa, uma fase que se encerra com a entrega do diploma, mas tarefa de uma vida toda. Escrever demanda leitura, que demanda escrita... enfim, há um circulo virtuoso que eventualmente resultará em  um escritor competente se a esse círculo for acrescida uma dose de prazer. Como um aluno do ensino fundamental pode entrar nesse círculo? Certamente, ele terá pavor da escrita se deixar-se levar pela ênfase dada na escola ao seu aspecto normativo.            

... e seus efeitos na educação brasileira
Esse modelo normativo hoje utilizado é herança dos governos militares que assolaram nosso País por décadas e que atendia ao propósito de tornar mais seletivo o ingresso ao Ensino Superior, como notou recentemente o educador José Renato Polli em artigo registrado no Jornal de Jundiaí em sua edição de 03 de Junho do corrente ano. O intuito dos governantes à época era atender a interesses de classes bem definidos. O modelo adotado formou uma mentalidade que perdura por décadas, qual seja, a de que os estudantes devem ter os olhos voltados para a escolha de uma profissão, o que  tem desviado o foco da Educação Básica de preparar o jovem oferecendo-lhes perspectivas amplas.  Mas as ditaduras e suas máquinas de governo não necessitam apenas que os alunos estejam preparados para o mercado de trabalho; precisam, ainda mais, que geração após geração continue calada e sem opinião, totalmente sem espírito crítico e analítico, sem capacidade de tomar as próprias decisões e fazer as próprias escolhas. As ditaduras precisam de não-cidadãos para poderem se perpetuar.
A democratização que se seguiu pressupôs também a garantia de acesso ao conhecimento lingüístico tão necessário à formação da cidadania. Sem esse conhecimento, ou competência, como dirá Perrenoud, haverá sempre um não-sujeito, incapaz de se fazer ver enquanto portador de uma cultura, linguagem e experiências diversas porque não é agente da própria vivência. O responsável por formar uma consciência cidadã, de pertencimento, é o professor do Ensino Fundamental. A ele é dada a tarefa de romper os preconceitos lingüísticos e de construir o respeito às diferenças para que o aluno possa reconhecer certos mitos, como o de que só existe um modo certo de falar, e outros que parecem produzir cidadãos de primeira e de segunda classe.
Diferente da democracia legítima, os governos populistas são tão perniciosos quanto as ditaduras, pois se disfarçam em democracias. Com o objetivo claro de conquistar eleitores, nossos governos vêm investindo maiores recursos no ensino superior, justificando que é melhor para o cidadão fazer uma faculdade ruim do que não fazer nenhuma. Seria um grande avanço e motivo de orgulho para nosso país, se nossos bacharéis não fossem analfabetos funcionais.
Cada centavo investido no ensino superior será sempre mal gasto enquanto o ensino fundamental não for levado a sério. Pelo governo, pelos professores, pela família. Eis alguns indicadores sobre o ensino médio que demonstram quem são os alunos egressos do Ensino Fundamental e futuros universitários:
- O Brasil está em 54º. lugar em matemática, entre 57 países.[4]
- É o 49º. em leitura, entre 56 países.[5]
- 42,6% dos alunos da 3ª. série do ensino médio estão acima da idade adequada.[6]
- Apenas 24,5% dos alunos da 3ª. série do EM sabem o conteúdo de LP[7]
- 74% da população brasileira não consegue entender um texto simples[8]

O que fazer?
Infelizmente as ações necessárias para a melhoria do ensino no Brasil são de longo prazo, o que não interessa nada aos políticos, nossos governantes.
Estudiosos divergem em alguns pontos sobre como melhorar o ensino, mas o que absolutamente todos concordam é que precisamos de professores bem treinados. Mas como visto acima, os alunos que ingressam nas universidades para os cursos na área do Magistério chegam sem qualquer base e, após quatro anos, estarão graduados e ensinando um conteúdo que não dominam. É o que prega, também, Martin Carnoy, pesquisador americano dedicado a entender a educação no Brasil. Segundo ele:
Falta no Brasil entender o básico. Os professores devem ser bem treinados para ensinar – e não para difundir teorias pedagógicas genéricas. As faculdades precisam estar atentas a isso. Um bom professor de matemática ou de línguas é aquele que domina o conteúdo de sua matéria e consegue passá-lo adiante de maneira atraente aos alunos. Simples assim. O que vejo no cenário brasileiro, no entanto, é a difusão de um valor diferente: o de que todo professor deve ser um bom teórico.[9]

O jornal Folha de São Paulo[10] consultou dezessete pesquisas elaboradas por diversos institutos nacionais e internacionais e publicou uma matéria derrubando alguns mitos relacionados ao ensino e, mais uma vez, a questão do treinamento do professor reaparece:
1 – Salários: aumento de salário não tem impacto imediato na maneira como o professor ensina, já que esse docente não está bem preparado. No longo prazo, altos salários atrairiam os melhores alunos das Universidades para o magistério;
2 – Infraestrutura: sem ter professores preparados para utilizar as melhorias estruturais (tecnologia, teatro), dispor de recursos avançados não traz avanços no aprendizado dos alunos.
Mas professores bem preparados também não conseguem fugir da circularidade curricular, da ideologia e dos métodos de ensino impostos, muitas vezes já ultrapassados, como é o caso do pseudo construtivismo brasileiro. De acordo com Carnoy:
O construtivismo que é hoje aplicado em escolas brasileiras está tão distante do conceito original, aquele de Jean Piaget, que não dá nem mesmo para dizer que se está diante dessa teoria. Falta um olhar mais científico e apurado sobre o que diz respeito à sala de aula. É bem verdade que esse não é um problema exclusivamente brasileiro. Especialistas no mundo todo têm o hábito de martelar seus ideários sem se preocupar em saber que benefícios eles trarão ao ensino. Há um excesso de ideologia na educação.

Conclusão

É fato que uma parcela importante de nossos universitários são analfabetos funcionais. É assim porque tiveram uma péssima educação básica. O ensino básico é ruim porque os professores, egressos das universidades, não dominam o conteúdo que ensinam. Os professores não dominam o conteúdo porque tiveram uma péssima educação básica. E podemos continuar infinitamente com essas explicações, mas, mais importante, é apontar soluções.
Não podemos negar a influência do meio no processo de aprendizagem. O  ambiente familiar do aluno, sua comunidade, as (não) perspectivas de futuro, a desnutrição são todos fatores que afetam diretamente não só o interesse em aprender, mas a própria capacidade de assimilar informação. Mas a qualidade do professor de ensino fundamental é ainda mais determinante, principalmente se somada a um conteúdo curricular não-circular, direcionado a formar cidadãos.







[1] Geraldi, J.W. (org.) O Texto na Sala de Aula: leitura e produção. Cascavel: ASSOESTE, 1984
[2] Garcia Othon M. Comunicação em Prosa Moderna,m , FGV, 2004     
[3] Bunzen e Mendonça (org.) Português no ensino médio e formação do professor, Parábola, 2007
[4] PISA 2006 – Programa Internacional para Avaliação de Alunos, para estudantes de 15 anos. Fonte www.inep.gov.br
[5] Idem.
[6] Saeb  - Sistema de Avaliação do Ensino Básico – Fonte www.inep.gov.br
[7] Idem
[8] INAF – Indicador de Analfabetismo Funcional
[9] Revista Veja, Ed. Abril, edição 2132, 30/09/2009
[10] Folha de São Paulo, Caderno Saber, página C6, 09/11/2009